Existe relação entre as travas das chuteiras e as lesões ocorridas no futebol?

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Você, leitor, tem acompanhado aqui no blog uma série de posts sobre o tipo correto de chuteira para cada tipo de gramado.

Para encerrar a série, gostaria de abordar com você leitor, se existe uma correlação entre a escolha correta do tipo de trava adequada para cada tipo de piso, com as lesões que ocorrem e que frequentemente vemos nos campos de futebol. Será que as travas da chuteira tem relação direta com a ausência prolongada de jogadores dos gramados?

Para esta pergunta, de difícil resposta, traremos à memória alguns episódios ocorridos com jogadores profissionais que tiveram grande repercussão, e analisaremos o tipo de trava usado.

Apesar de ser um esporte "com bola", apenas cerca de 30% das atividades de um jogador são executadas com a sua posse. É nesse momento que a grande maioria das lesões ocorre, principalmente devido a marcação do adversário.

Uma das lesões mais importantes descritas na literatura do futebol é a do ligamento cruzado anterior do joelho. Em um estudo, observou-se que o entorse de tornozelo foi a ocorrência mais comum no período de observação correspondendo a 34% das ocorrências, seguida por contusões nos membros inferiores que representaram 30% das ocorrências. A entorse de joelho também representou uma significativa ocorrência de 16% das lesões. Pesquisas revelam que 85% das lesões de tornozelo no futebol são pelo mecanismo de inversão, lesionando os ligamentos laterais do tornozelo. Verificou-se também que os meio-campistas são os que mais sofrem lesões, sendo cerca de 66% das ocorrências.

Desde que o craque Ronaldo teve sua primeira lesão, em 1999, o assunto repercute na mídia, tendo muito mais eco após as seguidas lesões em 2000 e 2008.

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Mas o maior artilheiro das Copas do Mundo não foi o único a sofrer com as lesões. A discussão se intensificou em 2006, após outros jogadores terem lesões semelhantes num curto espaço de tempo: ruptura dos ligamentos do joelho. Coincidência ou não, todos usavam chuteiras com cravos longitudinais, as chamadas travas “dentes de tubarão”.
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As vítimas foram Obina, no Flamengo; Nilmar, no Corínthians; Alemão, no Palmeiras; e Kerlon, no Cruzeiro. Obina, definiu o acontecido como fatalidade, dizendo: “- Eu uso o mesmo modelo (de chuteiras) do Nilmar. Mas acho que não tem nada a ver. É difícil falar sobre essa onda de lesões no joelho. A gente procura fazer a jogada certa, mas acaba saindo de forma mais brusca e dá nisso. Foi fatalidade, torço para que não ocorra com mais ninguém.”
Há que se ressaltar aqui que nenhum dos quatro jogadores citados se foi lesionado por choque contra adversários: todos se machucaram sozinhos, ao prender o pé no gramado.
Os modelos usados pelos jogadores tinham o mesmo solado, com as travas longitudinais, em lugar das tradicionais travas redondas.
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Houve, à época dos fatos, grande debate entre jogadores, técnicos, médicos e comentaristas.

Emerson Leão X Travas Longitudinais
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Quando esteve à frente do Clube Atlético Mineiro, o técnico Emerson Leão, com o aval da diretoria, mas contra a opinião do Departamento Médico, proibiu seus jogadores de utilizar chuteiras com as travas longitudinais (dentes de tubarão), mesmo sem nunca haver consenso sobre se elas – as travas – eram realmente as responsáveis pelas lesões.
Ao falar sobre o assunto, Leão disse: “- Nunca vi estourar tanto ligamento cruzado como está estourando. Eu sempre critiquei esse novo material esportivo, chuteira. Isso tem feitos bons jogadores, jovens jogadores já começarem a profissão sofrendo um trauma muito grande, que é uma cirurgia delicada. (...) A chuteira hoje é muito delicada, parece uma sapatilha de balé. Isso significa que ela é leve, flexível, e os jogadores são fortes. Antigamente era um couro completamente diferente. Lógico que não vamos voltar ao mundo antigo, mas temos que usar as duas coisas. (...)Eu não usaria nenhum tipo dessas chuteiras que não tivesse trava redonda, porque se você enfia numa grama, gira o corpo e ela gira sobre si. Se ele é retangular, ela não gira. O que vai girar é o seu ligamento. Virou o ligamento, gira a faca no ligamento. (...) Eu sou um crítico, mas sou meio que uma voz sozinha. No exterior, alguns grandes clubes depois de cinco, seis cirurgias de ligamento cruzado, proibiram certas chuteiras, porque os atletas representam, antes de mais nada, a felicidade do torcedor e o patrimônio do clube. Não se pode perder por uma simples vaidade de cor ou de guerra por propaganda.”
Um dos adeptos da trava exigida por Leão, o zagueiro Welton Felipe desconhecia uma possível ligação entre lesões e as travas utilizadas pelos atletas. “- Eu não sabia disso, mas sempre gostei da trava redonda, facilita bastante para você se mover em campo", comentou.
À época das declarações, a diretoria do “Galo” baixou uma portaria proibindo o uso das travas longitudinais, e estavam entregues aos médicos do clube o volante Serginho (para reconstituição do ligamento cruzado anterior do joelho direito), o atacante Marques (para reconstrução da cartilagem do joelho direito), o lateral Sheslon (ruptura no ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo) e o zagueiro Samuel (suspeita de ruptura do ligamento cruzado anterior no joelho esquerdo).
Entretanto, segundo o chefe do departamento médico do clube, Rodrigo Lasmar, as lesões dos atletas não foram resultado da opção por travas longitudinais. "- Das últimas três lesões que nós tivemos aqui no Atlético-MG de ligamento cruzado anterior, apenas um – Sheslon – usava a trava longitudinal, os outros dois, tanto o Serginho quanto o Samuel, apresentavam chuteiras de trava redonda e mesmo assim tiveram as lesões", informou.

Cruzeiro avalia as chuteiras dos jogadores celestes

O Cruzeiro, maior rival do Atlético-MG, também se preocupou com as travas das chuteiras usadas pelos seus jogadores.
Desde 2003, jogadores do clube sofreram lesão de ligamento (cruzado ou anterior) ou de meniscos. A lista incluía Marcelo Batatais, Martinez, Wendell, Alemão, Gladstone, Gomes, Maurinho, Fábio Santos, Edu Dracena, Sandro.
No caso do Cruzeiro, a maioria desses jogadores usava o mesmo modelo de chuteira, com travas longitudinais, o que chamou a atenção do departamento médico do Cruzeiro, que vem pesquisando se há alguma relação entre as lesões e o referido modelo de chuteira.


O que dizem os médicos especialistas
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O médico do Palmeiras, Vinícius Martins, alertou: "- Não estou afirmando que foi culpa da chuteira o motivo da lesão (no caso, do jogador Alemão). Não fiz nenhum trabalho científico sobre isso. Mas foi muita coincidência os dois (Alemão e Nilmar) estarem usando o mesmo tipo de chuteira, com trava longitudinal. E o Obina também estava usando essa mesma da Nike." Vinícius Martins fez ressalvas quanto ao tipo de algumas chuteiras produzidas pelos fornecedores de materiais esportivos em geral. "- Aquelas com travas longitudinais são ruins. Elas fixam o pé do jogador no campo e o atleta não consegue girar. A força de tração está sendo maior do que o ligamento do joelho pode agüentar".

O médico Marco Aurélio Cunha, que também era superintendente de futebol do São Paulo adverte: "- Os atletas é que decidem o que é melhor para eles, mas a chuteira de trava quadrada é um risco muito grande. Essa chuteira tem um poder maior de fixação no gramado e impede a rotação total do pé. Com isso, os jogadores ficam mais suscetíveis aos problemas ocasionados por movimentos bruscos."

O médico Joaquim Grava, que era médico do Santos e ex-médico da Seleção Brasileira, diz: “- Acredito que há uma relação, sim, entre muitas lesões que vêm ocorrendo no futebol e este específico modelo de chuteira. Pelo tipo de travas que ela tem acaba prendendo muito no gramado, o que, penso eu, deve facilitar a ocorrência de lesões de ligamento, de meniscos. Muitos jogadores que são meus pacientes se lesionaram usando este modelo de chuteira. Por esse motivo, não aconselho, não recomendo que os atletas usem esse modelo.” Grava acrescenta que esse tipo de solado “é muito bom para o arranque, mas prejudica no momento em que o atleta precisa girar o corpo. Eu recomendo para os jogadores do Santos, e também para quem me pergunta: o melhor é usar aquelas chuteiras tradicionais, com travas redondas, que oferecem menos riscos de lesão”, sugere.

Rodrigo Lasmar, que também é médico da Seleção Brasileira de Futebol, diz que não há nenhuma comprovação científica que relacione as lesões de joelho e o tipo de trava utilizada. "- Não existem trabalhos científicos que comprovem que a chuteira é responsável pelas lesões, mas existe, sem dúvida nenhuma, uma associação de fatores de risco que podem favorecer", comentou o médico.

Ronaldo Nazaré, médico do Cruzeiro declarou sobre o assunto: “– Na verdade, essa polêmica sobre esse tipo de chuteira começou em 2001. Por ora, no entanto, ainda não temos uma estatística significativa para afirmar algo. (...) De fato, é um assunto polêmico, cujas pesquisas e estudos vão demorar mais uns cinco anos, pelo menos. Tudo que envolve medicina, ciência, leva tempo.”
Por outro lado, o médico recomenda aos atletas as travas redondas. “- Pelo que observo, a incidência de lesões é menor nesse caso.”
Ronaldo Nazaré ainda observou que, em uma determinada temporada, sete jogadores do Borussia Dortmund, da Alemanha, entre eles Dedê, ex-Atlético-MG, sofreram lesão de ligamento ou de meniscos. “– Todos usavam o mesmo modelo, que é esse, de travas diferentes (longitudinais). Mesmo assim, ainda não podemos afirmar nada.”

O ortopedista Djalma de Siqueira Júnior, cirurgião especializado em joelhos, concorda. "- A disposição das chuteiras, para dar mais tração ao jogador, aumenta a aderência do calçado com o gramado, o que acaba forçando os ligamentos", explicou.
Siqueira, no entanto, ressalta que, apesar de facilitarem lesões, as chuteiras não podem ser consideradas as únicas responsáveis. “- O tipo de futebol jogado hoje, de muito contato e força física, também aumenta o número de lesões”.
Outro ponto a ser levado em consideração é a quantidade de jogos e a carga de treinamento a que os jogadores são submetidos. Os músculos funcionam como estabilizadores das articulações. Músculos fadigados tornam-se menos funcionais, e as articulações mais susceptíveis a lesões, principalmente de joelho e tornozelo.
Somado a fatores como o excesso de jogos e treinamentos, além do tipo de futebol praticado - de mais contato e mais força física -, a ocorrência de lesões atingiu índices elevados.
"- Com certeza o excesso de jogos aumenta o índice de lesões ligamentares, mas o tipo de chuteira também causa lesões", afirmou o médico, Joaquim Grava. "- Uma modificação nas travas aumenta a aderência que, se for excessiva em um movimento de rotação grande, pode estourar o ligamento", disse.

O que dizem as fabricantes?

A Adidas se mostrou aberta às críticas recentes dos jogadores e já iniciou o processo de melhora nas travas das chuteiras. Um estudo realizado na Alemanha, no laboratório de Scheinfelt, levantou dados sobre as lesões e os efeitos de tipos de travas de chuteiras nos jogadores.
De acordo com Marina Mussi, product trainer da empresa - responsável pelo treinamento e informações de tecnologia -, reclamações dos jogadores e técnicos têm sido ouvidas.
"- Tinham treinadores que reclamavam e a gente foi se adaptando. Mas, hoje, nós temos chuteiras com travas metálicas e de borracha. As travas podem ser retas ou redondas, em alguns meses teremos a trava híbrida, com base reta e ponta arredondada", explicou. Ainda segundo Mariana, a culpa pelas lesões também pode ser atribuída aos jogadores, que não sabem escolher o melhor tipo de trava para os campos adequados.
"- Além dos diferentes tipos de travas, nós também temos diferentes tamanhos. Às vezes, os jogadores escolhem a trava errada para o campo em que vão atuar. O que causa as lesões nos jogadores, dificuldades em fazer giro e as contusões", afirmou.

A Nike, que fabrica o modelo usado por Obina, Nilmar e Alemão, afirma que o sistema de travas longitudinais foi lançado em 2002 e que desde então não há registro de lesões causadas por seu produto. “- Vários atletas participaram dos testes e a utilizam largamente como Cristiano Ronaldo e Robinho, entre outros”, citava a empresa, em nota.

A chuteira utilizada pode contribuir decisivamente para lesões de joelho e tornozelo.

Por si só, uma chuteira já é um equipamento que traz instabilidade lateral para o tornozelo. A altura das travas, o tipo de cabedal da chuteira, o curto período de adaptação com um par novo são motivos que podem causar lesões em um atleta.

Algumas chuteiras fabricadas nos dias de hoje trazem baixo peso, impermeabilidade, e maior aderência ao gramado, o que evita escorregões, gerando mais tração e estabilidade. Segundo os especialistas, é nesse último ponto que está o problema.

Maior aderência também gera maior carga sobre a estrutura do joelho, principalmente quando o jogadore efetua mudanças repentinas de direção - movimento inerente ao futebol. Essa repetição, com o passar do tempo, diminui a resistência da estrutura das articulações, como por exemplo os ligamentos, meniscos e tendões.

Vilãs ou não, responsáveis ou não pelas lesões, o que dizer sobre as travas longitudinais, as chamadas dente de tubarão?
O número de lesões é irrisório em relação ao número de atletas que se valem deste modelo de travas para praticar o futebol; mas nem por isso pode-se desconsiderar que elas existam.

Na minha opinião a discussão está longe de ter um ponto final, mas fica o alerta para aqueles que compram uma chuteira apenas porque possui um design legal ou é de uma marca famosa.
Esta chuteira é realmente adequado para a sua finalidade ou será fruto de uma estratégia de marketing que nos convencer de que devemos consumir esse produto?

O que você leitor diz sobre esse tema? Dê a sua opinião via comentários, ou via redes sociais para que possamos firmar uma melhor visão sobre o assunto.

Se quiser saber a minha opinião sobre qual chuteira usar em cada tipo de gramado, leia a série de posts que publiquei aqui no blog... Se tiver ajudado, ficarei feliz...

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